UMA PEDRA NO MEU CAMINHO

 

 

 

Meu nome é Josefina

Josefina do Livramento

Sou brasileira e pobre

Falta-me até mantimento

Eu vou contar pra vocês

Meu maior constrangimento

 

Era uma segunda-feira

Segunda-feira chuvosa

Acordei com uma dor

Com uma dor horrorosa

Daquelas dores da moléstia

Da moléstia perigosa

 

Mal conseguia andar

De tanto que me doía

Chamei por todos santos

Também pela Virgem Maria

Rezava pra amanhecer

Pra ver o clarão do dia

 

Assim que amanheceu

Lá fui eu pro hospital

Era um hospital público

Bem de fundo de quintal

Aí começou meu sofrimento

Sofrimento sem igual

 

A moça que me atendeu

Disse: – pois não, senhora

E eu: – olá mocinha!

Quero uma consulta agora

Ela falou com desdenho:

Pegue esta fila lá fora

 

Aquilo não era fila

Era uma bicha anormal

E assim que dizem os patrícios

Que moram em Portugal

Era uma bicha comprida

Que não se via o final

 

Eu perguntava: é o fim?

Todos diziam: é não!

Com meu corpo tremendo

Eu encostei num portão

Me empurraram tão forte

Cai sentada no chão

 

Tinha fome, tinha sede

E aquela dor danada

Eu não parava em pé

Estava muito cansada

Quando a mocinha falou:

A sua hora é chegada

 

Eu tive contentamento

De ganhador de loteria

Mas ali era o começo

Da minha grande agonia

Eu vou contar pra vocês

Como findou o meu dia

 

A moça disse: - seu nome?

Josefina ao seu dispor

Seu endereço, senhora,

Rua Anjo Salvador

O médico virá loguinho

Verificar a sua dor.

 

Depois de 30 minutos

Com a cabeça rodando

Minha barriga bem dura

E com a dor aumentando

Quando o médico apareceu

E pra moça foi falando:

 

Pode entrar esta senhora

Eu levantei devagar

Ele perguntou: – pois não!

Eu não podia falar

Apontei minha barriga

E comecei a chorar

 

Ele disse: a enfermidade

É caso de encaminhamento

Meus amigos nesta hora

Começou o sofrimento

Fui pro serviço social

Para dar o andamento

 

Ela demorou uma hora

Para comigo falar

Disse: – tem acompanhante?

Se não tem, pode voltar!

Precisa de acompanhante

No caso de enterrar

 

Entre cólicas horríveis

Eu fui falando assim:

Moça pelo amor de Deus

E do Arcanjo Serafim

Eu preciso de um remédio

Pra nesta dor botar fim

 

Ela falou deste jeito:

Não depende de mim não

O sistema é quem autoriza

O leito pra internação

Eu disse. – chame o sistema

Pra falar comigo então!

 

Senhora o nosso sistema

Não dá para conversar

Perguntei: – o sistema mudo?

E comecei a chorar

Diga pro senhor sistema

Por favor, autorizar

 

Ela disse: – eu volto logo

Vou ver o que posso fazer

Demorou 30 minutos

Para dar o parecer

Eu estava suando frio

E começando a tremer

 

Já era cinco da tarde

Quando ela retornou

Trazendo uma papelada

E pra mim então falou:

Preste bastante atenção

E a ladainha começou

 

Desembestou a falar:

– Carteira profissional,

PIS, comprovante de endereço,

CIC e registro geral.

Eu disse: – Valha-me Deus

Agora é o meu final!

 

Quase sem poder falar

Disse: – Não tenho isso não

Como nós vamos senhora,

Fazer a internação?

Espere só um pouquinho

Vou buscar orientação.

 

Isso é o Apocalipse!

Eu comecei a pensar

O meu nome só não basta

Onde o mundo vai parar?

Eu preciso ter um número?

Para poder internar!

 

Disse para a atendente:

Eu quero ir ao banheiro

Eu não estou aguentando.

Ela disse: – Vá ligeiro!

Quando me sentei no vaso

A pedra caiu primeiro

 

Foi um alívio danado

Tudo passou de repente

Fugi para minha casa

Muito feliz e contente

Espero nunca mais na vida

Eu precisar desta gente

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